domingo, 9 de janeiro de 2011

POEMOBILES






A afirmação do livro como objeto de arte, no caso brasileiro, apresenta-se sob forte influência da poesia visual. Aparece também na forma de colaboração entre artistas e poetas concretos e neoconcretos, entre as décadas de cinqüenta e sessenta.
Haroldo de Campos, Décio Pignatari e Augusto de Campos tiveram grande participação nesses anos, não só em relação à poesia, mas também nas artes plásticas.O livro de artista é trabalhado, a partir desse momento, entre as fronteiras da literatura e das artes visuais. E assim, desenvolve um processo de maneira muito peculiar a fim de explorar a palavra como elemento visual.
A poesia concreta tira partido da materialidade da linguagem, iniciada por Mallarmé. Faz uma ponte entre a literatura e a arte na medida em que procura a espacialidade visual das palavras e seus sinais gráficos. Está contra a narratividade e por essa razão é recusada pelo campo literário. Encontra-se no limite entre a literaturae as artes visuais. Com a poesia concreta, a palavra é liberada de seu referente,situação já presente em Mallarmé, e virá a concretizar-se nos anos 60 do século XX. A potencialidade visual e a presença física dadas ao texto, por parte dos poetas concretos, o leva a tornar-se simultaneamente imagem e objeto. Momento no qual a legibilidade é vencida pela visualidade, motivo da intensa aproximação da poesia concreta com as artes plásticas.
A proximidade da poesia concreta às artes visuais, na circunstância brasileira,leva a algumas parcerias entre poetas e artistas na execução de livros. Não estamos falando do livro ilustrado, mas sim da elaboração de um objeto quando as duas partes interagem, quando uma não poderia sobreviver sem a outra. Um exemplo é a situação de Poemóbiles (1974), de Julio Plaza e Augusto de Campos, no qual se mostra uma obra, um objeto de arte, elegido pelo artista e pelo poeta como meio de reflexão, de ação.
No campo das denominações, Poemóbiles é livro-poema. Existe aqui, uma reciprocidade entre a informação e o suporte, isto é, a disposição espaço-temporal é tida em conta. Nestas condições o livro é intraduzível para outro sistema, ou meio. Em Poemóbiles vemos claramente a “fisicalidade do suporte interpenetrada com o poema, apresentando-se como corpo físico, de tal maneira que o poema somente existe porque existe o livro como objeto”. Essa edição é constituída de doze peças, cada uma delas composta por um poema e um móbile: Abre, Open, Cable, Change, Entre,Impossível, Luzcor, Luxo, Reflete, Rever, Vivavaia e Voo. A estrutura do objeto mantém uma relação direta com o poema. Articulam-se palavra e forma, ao abrir e fechar as folhas, parte do volume e das sílabas ficam em primeiro plano. Exige-se do observador a manipulação, a qual, por meio do movimento, irá possibilitar construções provocadas pelo corte do papel trazendo diferentes associações de visão e leitura. Os móbiles são colocados em cena quando o espectador traz a página à tridimensionalidade e vem assim potencializar a “sonoridade” de cada poema. A leveza e o deslocamento do móbile fazem a palavra dissipar-se no espaço. No contexto visual e “sonoro” do objeto, a cor e a dimensão dos tipos exercem um papel relevante. Nesse volume, a letra transforma-se em imagem, representada com o vigor e a presença espacial de sua materialidade e de sua forma.
Este projeto magnífico ficou sumido do mercado editorial brasileiro desde sua primeira publicação mas a boa notícia chegou: saiu neste mês, pela Editora Demônio Negro, uma nova edição, que já está nas (boas) livrarias. Enfim esta raridade será conhecida pelas novas gerações.

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