Um lugar que acho fascinante no centrão velho do Rio é o Campo de Santana. Me recordo de passear por alí com meus pais, ainda criança, encantado com aquela mistura de bosque natural com cavernas artificiais e trocos de cimento, saídos aqueles paisagismos que eram moda no Brasil na virada do século XIX para o XX. Tudo ainda está lá, cercado por uma enorme grade clássica, com portões encimados por brasões imperiais, habitado por gatos e cotias, o que dá um ar champêtre ao lugar.
Gosto de sentar num banquinho e ficar lendo ou olhando velhinhos se exercitarem num tai-chi matinal, mas me restrinjo às primeiras horas do dia, quando há o movimento das pessoas cruzando o parque vindas da Central do Brasil, se dirigindo para o trabalho ou se diluindo na loucura da Saara. É gente comum que passa alí: trabalhadores com mochilas nas costas, jovens e mulheres de classe operária, muitas crianças, e todos de uma beleza popular, de estrutura física forte e rostos miscigenados. Gente bonita, de outra beleza, mais real, nada publicitária.
Como disse, me restrinjo às primeiras horas do dia porque uma vez, aguardando pessoas amigas que faziam compras na rua Buenos Aires, um rapaz educadíssimo pediu licença e se sentou no banco onde eu estava. Logo puxou um papo, dizendo que aguardava a chegada de uma funcionária pública que trabalhava num daqueles prédios burocráticos que existem por alí e que, apesar de ser o horário dela de trabalho, estava ausente, "tinha ído resolver um problema", nas palavras de quem o recepcionou. Ao comentar que eu estava alí porque gostava do parque, ouví dele um mapeamento do local que ignorava, mas descofiava: onde eu estava era a "zona segura", pois era o trânsito das pessoas que cortavam o caminho até o centrão; logo à frente era a "zona dos drogados", onde íam jovens consumir maconha, álcool e etc.; mais à direita era a "zona da prostituição", onde o óbvio acontecia. Resumindo, ví o jovem rapaz descrever aquilo que aconteceu com todos os lugares públicos do Brasil. Mesmo na cidadezinha onde nascí e moro esta subdivisão acontece na praça principal, e na cidade de porte médio onde trabalho, a coisa também está lá, bem no parque central. É triste ficar consciente desta generalização que a fragilidade econômica, social e cultural impôs ao nosso povo.
Por um momento sentí uma tristeza profunda, mas não preconceito. Na verdade tenho uma certa afeição por este tipo de gente, os "marginalizados", que não me envergonham. Quem me causa vergonha e repulsa são aqueles donos dos diversos poderes que geraram isto.
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