domingo, 12 de julho de 2009

Em Ruínas...


Passadas seis décadas - e as gerações surgidas nelas - o nazismo continua um assunto inesgotável e presente no mundo e nas mentes humanas. Todo o absurdo gerado pelo nascimento desta ideologia, onde as sombras da humanidade foram trazidas à luz de modo exacerbado, assusta pela truculência, pela brutalidade, pela frieza, pela morbidez e por outras características que permanecem pavorosas depois de tanto tempo, daí exercer até hoje um fascínio imenso em todos que não compreendem ou se horrorizam no enfrentamento com a escuridão da nossa alma. Visitar ou re-visitar a área de penumbra gerada por Adolf Hitler é material de muita literatura, cinema, artes plásticas e documentários e parece inesgotável. Num mundo onde grupos neo-nazistas pregam o re-erguimento desta ideologia e até mesmo a existência do Holocausto é questionada por governantes anti-sionistas como surge frequentemente na pauta das matérias jornalísticas, faz-se necessário um não esquecimento deste momento vivido pela humanidade para se evitar os mesmos erros.
Saiu no Brasil o documentário Arquitetura da Destruição(em DVD pela Versátil. R$ 40) onde é feita uma reflexão profunda sobre o que foi o nascimento do nazismo no coração da Europa, o continente mais desenvolvido tecnologicamente e culturalmente naquele período entre os anos 30 e 40. O diretor Peter Cohen fixa seu ponto exatamente no impacto dos valores estabelecidos pelo Partido Nazista na vida cultural e intelectual na Alemanha e depois no mundo.
Com um trabalho de pesquisa minucioso, o diretor mostra como Hitler esboçou suas metas culturais lá nos anos 20, na concepção do seu “Mein Kampf”, onde estabelece os limites cabíveis na Nova Alemanha, que surgiria das cinzas da Primeira Grande Guerra, qual fênix sedenta, acima de tudo, de morte e destruição. Falava ele: “Que são Goethe, Schiller ou Sheakespeare em comparação com os grandes heróis da nova poesia alemã? Gastas e obsoletas coisas de um passado que não podia mais sobreviver! A característica desses literatos é que eles não só produzem somente sujeira, mas, pior do que isso, lançam lama sobre tudo que é realmente grande no passado”. Montanhas de livros sendo queimados em praça pública pela Juventude Hitlerista são imagens assustadoras que ilustram a prática recorrente naqueles tempos dos quais fugiram Thomas Mann, Hermann Hesse e outros exilados desta “revolução cultural”. E imaginar que tudo foi perpetrado por Hitler, ele mesmo um aspirante a pintor que jamais ultrapassou a barreira do medíocre. Este mesmo “artista” ou “esteta” exibia a produção das artes plásticas da época, onde residem as raízes de toda a vanguarda contemporânea, em salões que intitulava “arte degenerada”. Os valores eram (e deviam ser) os da antiguidade clássica. Nada de novas concepções. Nada de renovações. Assim como a raça ariana deveria prevalecer como ideal a ser alcançado, sua arte também deveria imperar. Uma nova estatuária “clássica” surge e uma pintura “patriótica” preenche as paredes enquanto os museus dos países ocupados são saqueados impiedosamente. Até mesmo o estabelecimento do padrão plástico racial apregoado pelo Terceiro Reich segue critérios assustadores que vão desde a seleção genética do povo alemão, passando pela eliminação das “sub-raças” até o experimentalismo dos médicos, aos quais eram dadas as liberdades científicas que horrorizaram o mundo. O desenrolar destas imagens durante o documentário vai nos esmagando na poltrona até um momento síntese, que é a aparição de Albert Speer no cenário nazista.
Speer era arquiteto e foi contratado por Hitler para materializar em edifícios tudo que fosse importante na edificação do novo império. Muitas das idéias eram originárias do próprio Führer, desde conceitos de urbanização até mesmo nas construções que seriam sedes da nova nação. O desenrolar das imagens onde surgem maquetes gigantescas de uma nova Berlim, com avenidas largas o suficiente para desfiles de tropas vitoriosas, estádios de dimensões ciclópicas onde ele, Hitler, criador e mestre da Alemanha Purificada, faria aparições e discursos, tudo mostra um projeto de fazer inveja a qualquer imperador romano. Porém não é exatamente isto que surpreende, mas o fato do Führer ter pedido a Albert Speer que criasse tudo de modo que, quando destruído, gerasse belas ruínas. Como se vê, o autor do conceito da “Arte Total” a ser implantada na Alemanha, se via como mentor de um conceito de tragédia quase operístico, onde a destruição, o caos e a ruína eram o objetivo final.
E assim foi. Um sobrevôo sobre Berlim ao término da guerra mostra que ruína foi a herança deixada para o povo alemão.
Este documentário pode ser considerado um item obrigatório para todos que quiserem travar um conhecimento mais próximo com este momento abominável que a raça humana vivenciou. Para que? Para não se repetir, é a resposta mais óbvia. Mesmo assim sabemos da fragilidade do homem diante do rolo compressor do pensamento totalitário e do arraso que causa naquilo que nos transmuta em algo maior: nossa produção cultural. A China de Mao Tse Tung viveu coisa semelhante. A “Revolução Cultural” implantada lá passou o rodo num conjunto de manifestações artísticas das mais refinadas que já surgiram na história da humanidade. E lá, como na Alemanha hitlerista, sobreviveu à tempestade exatamente por ser a antítese de tudo que é morte e ruína, ou seja, a arte e a vida.

04/06/2006

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