terça-feira, 14 de julho de 2009

Acerte no alvo


O que o grafiteiro fez com a "atriz/cantora/modelo" Paris Hilton foi de uma ironia ácida. Além de ter trocado a capa do CD dela por uma versão sua, - colocando um alvo bem lá(!!!), onde está o "verdadeiro talento" da "artista" - Banksy trocou também as músicas por versões suas, que receberam nomes como “Por que sou famosa?”, “O que fiz?” e “Para que sirvo?”. Maldade!!!

Arte e comércio


Banksy faz uma obra escrevendo diretamente numa pintura que "a lojinha é logo alí"...Nisto se transformou a real visita de muita gente nos museus do mundo.

Mais Banksy


Esta é para épater les bourjois... Enquanto ele faz esta crítica veemente à produção dos artistas contemporâneos, a Globo perde o bonde da história fazendo uma cópia mal ajambrada da idéia de Banksy na sua novelinha medíocre atualmente no ar. Valha-me Deus!!!

Arrasando no museu


O cara é um das grandes personagens destes anos 00, mas ninguém sabe quem é ele. Banksy é um grafiteiro que conquista cada vez mais os corações e as mentes do público e da crítica, porém, por razões que a própria razão desconhece (dizem que foge da lei...rs...) , é desconhecido por todos, e até mesmo os seus pais não sabem que ele é quem é.


Seus grafittis são uma constante nas ruas de Londres, mas o que o fez ser esta "celebridade" foram as intervenções suas em espaços públicos: já colocou uma estátua de um prisioneiro de Guantánamo num dos parques Disney, trocou todos os CDs de Paris Hilton por cópias adulteradas em 43 lojas em toda a Inglaterra (Banksy é de Bristol) e já colocou o desenho de um homem empurrando um carrinho de supermercado entre pinturas rupestres no acervo de um museu. Graças a estas intervenções o cara virou uma das mais conhecidas "personalidades anônimas" do mundo. Só no Google ele aparece em mais de um milhão de páginas.


Alguns jornais britânicos dizem que sabem quem é ele mas...o mistério continua. Ou continuava, já que sua última exposição no City Museum of Bristol foi combinada num comum acordo entre ele e a direção da instituição, ou seja, para estes diretores Banksy é conhecido, ou será que foi disfarçado (o que faz com frequencia)?


Deixo uma mostra do que está exposto em Bristol.

Um ator coringa


A pluralidade de um ator é um dado fundamental para que ele mostre a que veio. Num mundo cada vez mais repleto de canastrões, quando sentimos que estamos diante de um verdadeiro talento o nosso coração agradece. Quem ama cinema e teatro sabe do que estou falando. Estes sujeitos sublimam nossas dores e alegram nossa vida. Graças a muitos (poucos) deles agradecemos quando acordamos todos os dias.

Heath Ledger já recebeu do mundo as homenagens devidas. Creio que sua memória passará muito bem para o futuro sem que este meu comentário influencie alguma coisa neste sentido, mas não vou me abster de dizer que seu talento me foi caro. Atuando no cinema de arte ou num blockbuster com igual desenvoltura, deu vida a personagens que falaram com as platéias de modo eloqüente e - importantíssimo - convincente. Quando morreu e veio à tona que sofria muito por não ter conseguido tirar o Coringa de dentro de sí, fiquei duplamente entristecido: primeiro pela perda do ator, segundo por saber que quando as máscaras grudam no rosto, só mesmo as atitudes radicais funcionam para se libertar.

DEZ ANOS 2000 - Artes


Convidado por um jornal para citar o que aconteceu na primeira década dos anos 2000, fiz a seguinte lista para artes:

1) O Museu da Língua Portuguesa em São Paulo.
Novidade no país, o museu é pequeno, simpático, interativo e foge dos estereótipos do gênero. Gostoso de visitar, envolve as pessoas até as lágrimas. Como o português é uma língua maravilhosa.

2) As franquias museológicas

Gugenheim e Louvre expandem seus acervos pelo mundo. Até o Brasil virou alvo do Guggenheim mas...flopou! O projeto de Jean Nouvel literalmente submergiu na baía de Guanabara.

3)Os centros culturais
A profusão de locais destinados à cultura é espantosa. Alguns funcionam hiper-bem, como os CCBBs, outros naufragam pela falta de gerenciamento. Tem que se rever as estratégias.

4) A polêmica Bienal do Vazio.
Uma das mostras de arte mais importantes do mundo cumpriu seu papel nesta década mas chegou a exibir um andar inteiro absolutamente vazio. Foi um mico. Enquanto isto, a Bienal do Mercosul virou "o" grande evento das artes no hemisfério Sul.

5) A espetacularização da arquitetura
Dubai, China, Europa, Hong Kong e Malasya espetam arranha-céus no horizonte de suas cidades e mostram poder através de uma arquitetura de grife que espanta o mundo e enriquece os escritórios dos mestres desta arte. Os estádios da Olimpíada de Pequim pareciam saídos de um outro planeta.

6) Frank Gehry e sua arquitetura barroca.
Ninguém brilhou mais que ele nesta década, com seus projetos para o Guggenheim de Bilbao, Disney e outros prédios em construção. Suas idéias são alvo das constantes gozações de Homer Simpson.

7) Álvaro Siza e o prédio da Fundação Iberê Camargo
O Brasil foi premiado com um belo conceito arquitetônico deste português que colocou Porto Alegre no mapa dos projetos inteligentes.

8) O centenário de Oscar Niemeyer.
Na “terra brasilis” ele reina absoluto. Aos 100 anos continua exercendo sua obra e poetizando o concreto armado.

9) Inhotim
O projeto cultural localizado em Brumadinho, MG, é uma das melhores surpresas que o Brasil reserva para seus visitantes: são prédios construídos especialmente para abrigar obras de artistas contemporâneos distribuídos num parque ecológico onde a mata nativa se mistura com o paisagismo de Burle Marx. Não tem igual no mundo.

10) Arte brasileira lá fora
A visibilidade da arte brasileira contemporânea explodiu no exterior com mostras de artistas como Beatriz Milhazes, Hélio Oiticica, Lígia Clark, Adriana Varejão, Cildo Meireles e outros, que ocuparam importantes espaços museológicos nos Estados Unidos e na Europa e alcançam bons preços no mercado das artes.

11) Moda brasileira
Está indo bem. As “fashion weeks” cumprem seu duplo papel: incentivar a criatividade e incrementar o comércio. Os estilistas se desdobram nas coleções, as modelos são valorizadas internacionalmente e o estilo brasileiro mostra a sua cara. A musa Giselle Bundchen é fenômeno da década e longeva num mundo de beldades efêmeras. Ponto para nós.

DEZ ANOS 2000 - Música



Convidado por um jornal para citar o que aconteceu na primeira década dos anos 2000, fiz a seguinte lista para música:

1) Amy Winehouse
Como ignorá-la? Impossível. Ela esteve em todas as páginas dos noticiários escandalosos. Chutou o balde e afirmou: não quer se reabilitar, no, no,no...

2)O show do Radiohead no Brasil.
Enfim uma banda fundamental, importante, genial e no auge de sua carreira veio aqui. Tom Yorke levou ao delírio uma multidão no Rio e em São Paulo. Eu fui!!!

3) O Brasil entra na rota do show business internacional.
Moby, White Stripes, Anthony and the Johnsons, Kraftwerk, Pet Shop Boys, Madonna, Oasis, Bjork e outros inseriram o país nas suas turnês. Enfim o sonho do Rock in Rio virou rotina 20 anos depois.

4)Outros sons de outras terras
Os islandeses do Sigúr Rós e os noruegueses do Royksopp mostram que o pop, o eletrônico e o rock romperam os limites dos estilos musicais e as fronteiras políticas. E juntaram-se a eles os indianos, os mexicanos e por ai vai.

5) O império dos DJs
Seja no mundo ou no Brasil eles reinam absolutos. São criativos, originais, performáticos e recriam a música todo dia a toda hora, além de fazer os esqueletos e os neurônios balançarem.

6) As festas eletrônicas.
As raves, as Love Parade e as paradas gay pululam no mundo todo. E arrastam milhares de pessoas numa festa contagiante e cada vez mais elaborada.

7) O fenômeno Los Hermanos.
Um grupo de barbudos veio encantar jovens universitários com seu som difícil de classificar, mezzo deprê, mezzo romance adolescente. Se recusavam cantar hits que os projetaram no cenário musical, como “Ana Júlia”, e faziam shows sem ensaiar. Se separaram e voltaram no show do Radiohead, em 2009: deviam ter ficado em casa pois foram massacrados pela competência profissional das bandas alienígenas.

8) Novas vozes femininas
As cantoras Céu, Monica Salmaso e Bebel Gilberto rompem com alguns estereótipos das mulheres cantoras do país e arrebentam com seus talentos.

9) Novas vozes masculinas
Eles estão no mercado paralelo, mas são os nomes que prometem: Rômulo Fróes, Jonas Sá e Rubinho Jacobina. É a contribuição desta década para a próxima.

10) O uruguaio Jorge Drexler
Ganhou um merecido Oscar pela trilha de “Brokeback Mountain”. O cara é muito bom.

11) O funk brasileiro
Depois do samba (bossa-nova inclusa) é a contribuição musical mais visível do Brasil para o mundo. Dominando as pistas em todo canto do planeta, sai no lucro porque ninguém entende as letras, mas o som é pauleira.

DEZ ANOS 2000 - Comunicação



Convidado por um jornal para citar o que aconteceu na primeira década dos anos 2000, fiz a seguinte lista para comunicação:

1) Os sites de relacionamentos Orkut e Twitter.
Ambos são fenômenos de integração de pessoas, e, exatamente por causa disto, mostram todas as belezas e pavores da alma humana.

2) O Google Earth.
A Terra ficou visível do espaço e acessível na telinha dos monitores. Para quem gosta do planeta é um parquinho de diversão. Para quem é paranóico existem mistérios insondáveis: o que são aqueles triângulos no mar da Arábia, porque nada aparece na área 51, e por aí vai.

3) O YouTube.
Virou local de lazer, curiosidade, divulgação, visibilidade, exercício de estilo, humor, drama, etc...etc...etc...É uma das maiores influências no cinema contemporâneo.

3) O Google todo.
Gente, o que é este site? Tem de tudo, até eu...

4) As possibilidades de downloads
Livros, músicas e filmes são “baixados” com facilidade e tornam viáveis acessos a uma informação cultural antes estratificada por aspectos geográficos, físicos e financeiros. O problema é a pirataria.

5) A chegada da fibra ótica e da internet via eletricidade.
O que era bom vai ficar melhor. Para ser perfeito é só tornar real e viável a inclusão digital: boa parte do mundo é “analfabite”.

6) Os iPhones.
Quem tem sabe do que estou falando. Como viver sem ele? Como a humanidade chegou até aqui sem ele? Fundamental.

7) Os iPods
Até o Obama tem. E toca tudo.

8) Os MP3 Players.
Cada vez menores só incomodam músicos com ouvido absoluto. Junte-se aos MP3 os Pen Drives e a vida é portátil.

9) A tecnologia Wi-Fi.
Com note books cada vez menores, a tecnologia wi-fi te pluga no mundo sem fio. Mais uma tecnologia que pede a democratização da inclusão digital.

10) A consolidação da TV a cabo.
É uma das novidades tecnológicas da década, o problema é a qualidade da programação.

11) A TV digital.
Alta definição de imagem: poderemos assistir a filmes com qualidade de cinema e ver as rugas e celulites de apresentadoras de TV com nitidez constrangedora.

12) A fotografia digital.
A mesma coisa da TV digital, só que parado. Corre-se o risco de um vírus deletar todas as imagens da sua vida, te despojando do seu passado visual. Alguns culpam a tecnologia pela “banalização da fotografia”. O tempo dirá.

13) O cinema digital.
Nem bem chegou e as pessoas já o culpam de muitas coisas. Calma gente!!!

14) O IMAX.
Se o futuro do cinema é este, preparem-se: é de tirar o fôlego.

15) Os blogs
Muita gente quer que suas vidas particulares se tornem públicas. É o espetáculo do ego nos blogs da internet. Tô neles!!!

DEZ ANOS 2000 - Imagem em movimento


Convidado por um jornal para citar o que aconteceu na primeira década dos anos 2000, fiz a seguinte lista para cinema & afins:


1) A solidificação do cinema independente.
Com tecnologia acessível na mão e idéias na cabeça, quem quis fazer cinema fez e teve visibilidade através da net e dos inúmeros festivais de cinema alternativo do mundo. A contaminação das linguagens do vídeo, do cinema, da animação e da computação gráfica educou os olhares dos diretores e das platéias e acabou chegando no cinemão.

2) O novo cinema argentino.
Sem medo de ser feliz, os “hermanos” criaram um cinema autoral, repleto de reflexões políticas, sociais, culturais e arrebataram o público do planeta.

3) O cinema chinês.
Seja oriundo de Hong Kong, Taiwan ou da China continental, o cinema da China mostrou sua força em produções de grande domínio técnico e plástico. Destaque para Won Kar Wai e sua estética refinada e sua temática dolorida.

4) O “cinema favela” brasileiro.
“Cidade de Deus” abriu o mercado e vieram outras produções onde a periferia das grandes cidades imperou com sua imagem um tanto quanto realista, um tanto quanto estigmatizante. “Tropa de Elite” coroou o fenômeno, que agora invade as telenovelas.

5) As comédias com atores globais.
As telenovelas invadem o cinema com suas abordagens “light” de assuntos domésticos da classe média. Tem gente que adora.

6) As três trilogias da virada anos 99/00.
Star Wars I, II e III, Matrix e Senhor dos Anéis foram ritos de passagem entre os dois milênios. Com construção técnica de tirar o fôlego, lançaram mão das narrativas épicas com personagens arquetípicos dos quais ninguém escapou. Já estão com lugar garantido na história do cinema contemporâneo.

7) A computação gráfica nos filmes.
Ela chegou para ficar. O cinema absorveu esta tecnologia de tal forma que hoje duvidamos de tudo que aparece nas telas: será real ou é digital?

8) Os novos desenhos animados
São vendidos como produções infantis, mas são repletos de temáticas adultas e politicamente corretas. Fazem a cabeça de crianças e de adultos e basta dar uma olhada na platéia para desconfiar que foram os filhos que levaram os pais para o cinema. É o “Efeito Schreck”...

9) O talento comprovado nas bilheterias do brasileiro Carlos Saldanha.
Era do Gelo I, II e III é um caso raro de seqüência bem sucedida em cinema de animação. Não é atoa: Carlinhos é bom pra caramba!

10) Atores e atrizes da década
Lá fora:
Johnny Depp com “Piratas do Caribe”, “A Fantástica Fábrica de Chocolate” e “Sweeney Todd”
E aqui:
João Miguel com “Mutum”, “O Céu de Suely”, “Cinema, Aspirinas e Urubus” e “Estômago”.
Destaques: Julienne Moore e Alice Braga, ambas no “Ensaios sobre a Cegueira”.
Homenagem póstuma: Heath Ledger ( o seu Coringa incomodará muitos sucessores)

11) A dupla Fernando Meirelles e José Saramago:
“Ensaios sobre a cegueira”: O Brasil ficou bem na fita.

12) A invasão das HQs nas telas.
De X Men a Hulk, passando por Batmans seminais, os heróis dos quadrinhos chegaram de vez e faturam alto. Destaque importantíssimo: “Sin City”. Obra de arte incontestável.

13) Ang Lee e o corajoso “Brokeback Mountain”.
Carimbado como “o filme dos cowboys gays” só apareceu assim aos olhos dos desavisados e superficiais. Com interpretações emocionantes de todo o elenco masculino e feminino, este talvez seja o filme onde a impossibilidade do amor foi tratada com majestade. Simplesmente perfeito.

14) Os Simpsons.
Esta série de TV mostra um fôlego inesgotável: é mais de uma década mostrando as imperfeições das pessoas e fazendo graça com isto. Genial.

15) Anima Mundi
A mostra nacional de desenhos animados saiu de seu perfil local para se transformar num mega evento internacional. O Brasil é hoje um dos cinco países que mais produzem animações e boa parte desta conquista está na visibilidade deste festival.

Mini conto 5


Carente de um amor que tivesse fidelidade canina, ela o chamava de "meu gato".

domingo, 12 de julho de 2009

Pérolas para os porcos, diamantes para os cães



David Bowie é um dos ícones do pop no século passado. Hoje, vivendo de rendas que ultrapassam o mundo da música – como proprietário de um banco, por exemplo – o chamado exaustivamente de “Camaleão” ainda empresta seu charme a muita coisa. Mas foi lá nos anos 70 que sua estrela mais brilhou. Trazido por uma possível nave espacial que aterrizou em Key West, Londres, este camarada iniciou uma carreira que juntou em torno de si o “crème de la crème” da garotada do mundo inteiro, que ansiava por um ídolo assim, vamos dizer, “diferente”. Com visual andrógino e figurinos exóticos, criou a era “glitter” e espantou muita gente que ouvia rock progressivo. Seu disco “The Rise and Fall from Ziggy Stardust and the Spiders from Mars” figura, até hoje, como uma obra prima do rock e fez a cabeça de muita gente com um “hit” quase profético que tinha o refrão: “Freak out on a moonage daydream, oh yeah...”. Era uma grande curtição... A este seguiu-se “Alladin Sane” - o disco do raio na testa - que Bowie plugou na tomada, mas não ligou a voltagem, preparando todos para o choque que viria a seguir. “Pin Ups” seguiu-se, mas era um disco estrategicamente não-conclusivo. Recheado de versões de bandas que DB ouvia em sua Londres adolescente, era, na verdade, a introdução para o gigantesco “Diamond Dogs”, este sim “o” disco.
Depois de um “tour” por todas as drogas disponíveis que a grana poderia comprar, David Bowie mergulhou, em 1974, no projeto de musicar o romance pessimista/futurista de George Orwell, “1984”. Para ele 10 anos separavam o mundo de uma catástrofe anunciada. A família do autor do livro barrou a aventura e Bowie teve que fazer adaptações para apresentar aos seus fãs o trabalho que já estava a caminho. Manteve algumas composições que aludem claramente a Orwell, mas criou outras que reproduziam o “clima” da obra sem serem exatamente explícitas. E assim chegou às lojas “Diamond Dogs”...
Era assustador...E sedutor...Os fãs de Bowie entenderam tudo: o processo de auto-destruição no qual o artista estava enfiado até o pescoço estava ali, claramente explicitado.
Com uma capa criada pelo desenhista Guy Peelaert, a figura do “Camaleão” surgia nos encarando com o olhar frio da retina paralisada do seu olho (que assim ficou desde um soco que levou na infância) e, em pose lânguida no chão, se mostrava metade gente metade cão. Um muro com cartazes que anunciava um circo de “estranhas criaturas vivas” fazia um segundo plano e a cidade arruinada finalizava a panorâmica. Dentro, um encarte nos dava uma visão apocalíptica de prédios envoltos numa fumaça pós ataque nuclear e confirmavam a desesperança.
Como um rasgo sonoro, a primeira faixa dava o tom. Com voz robotizada e lúgubre, entre uivos de cães, Bowie descreve um cenário de desespero nos mostrando matilhas e mutações que sobrevivem de rapina entre as ruínas da civilização. Com uma citação incidental de “Bewitched, Bothered and Bewildered”, termina esta introdução dizendo: “...anyday now, the year of the Diamond Dogs...This isn’t rock and roll, this is genocide...”
O que se segue é inexplicável.
Faixa por faixa nos defrontamos com um artista no auge de sua carreira, no auge do seu estilo, confirmando a que veio. Faixa por faixa ele nos envolve em rocks à la Rolling Stones numa citação clara de sua admiração por Jagger; em baladas românticas, de onde brota o sangue da paixão, anuncia que somos os mortos; afirma que enlouquecemos nossos pais que não conseguem saber se somos meninos ou meninas; nos chama a todos de rebeldes; se faz de Big Brother e termina com uma dança hipnótica, talvez a melhor coisa para se dançar tribalmente que já foi escrita por décadas. E, quando acaba, sobramos nós, extasiados.
Depois do sucesso Bowie desapareceu. Recolheu-se. Surgia esporadicamente porém sem portar sua figura andrógina. Retirou-se para Berlin e, com o gênio Brian Eno, criou os pilares da “ambient music” que nascia ali. E sua carreira foi outra. Das cinzas de sua auto-imolação, surgiu outro artista, tão sério como sempre foi, mas antenado em outra sintonia não menos revolucionária que aquela que deixava para trás.
Foi relançado recentemente no Brasil, pela Virgin, este “Diamond Dogs” visceral. Após 30 anos ressurge, sem ter sequer desaparecido, para se confirmar como obra fundamental na discoteca de todos que amam música inteligente.
Saudemo-lo: Heil to the Starman...Heil to the Diamond Dogs…
Este texto foi escrito em 28/10/2004 no site www.poppycorn.com.br

Mini conto 4


Diante do cataclisma ele disse: dápres moi le deluge!!! E morreu afogado.

Mini conto 3


Sombras de tristeza cobriram o seu rosto e ela disse: Rapa fora!!! E o policial se foi...

Lágrimas na chuva


CHOVIA TORRENCIALMENTE NA ILHA DESERTA. LIMPANDO AS GOTAS DE SEUS OLHOS GENIVALDO REFLETIU: DEVIA CHOVER ASSIM NA MINHA HORTA!!!

Micro conto 1


Ela deixou a toalha cair, mostrando seu corpo nú, e ele a olhou como se a despisse com os olhos...

Em Ruínas...


Passadas seis décadas - e as gerações surgidas nelas - o nazismo continua um assunto inesgotável e presente no mundo e nas mentes humanas. Todo o absurdo gerado pelo nascimento desta ideologia, onde as sombras da humanidade foram trazidas à luz de modo exacerbado, assusta pela truculência, pela brutalidade, pela frieza, pela morbidez e por outras características que permanecem pavorosas depois de tanto tempo, daí exercer até hoje um fascínio imenso em todos que não compreendem ou se horrorizam no enfrentamento com a escuridão da nossa alma. Visitar ou re-visitar a área de penumbra gerada por Adolf Hitler é material de muita literatura, cinema, artes plásticas e documentários e parece inesgotável. Num mundo onde grupos neo-nazistas pregam o re-erguimento desta ideologia e até mesmo a existência do Holocausto é questionada por governantes anti-sionistas como surge frequentemente na pauta das matérias jornalísticas, faz-se necessário um não esquecimento deste momento vivido pela humanidade para se evitar os mesmos erros.
Saiu no Brasil o documentário Arquitetura da Destruição(em DVD pela Versátil. R$ 40) onde é feita uma reflexão profunda sobre o que foi o nascimento do nazismo no coração da Europa, o continente mais desenvolvido tecnologicamente e culturalmente naquele período entre os anos 30 e 40. O diretor Peter Cohen fixa seu ponto exatamente no impacto dos valores estabelecidos pelo Partido Nazista na vida cultural e intelectual na Alemanha e depois no mundo.
Com um trabalho de pesquisa minucioso, o diretor mostra como Hitler esboçou suas metas culturais lá nos anos 20, na concepção do seu “Mein Kampf”, onde estabelece os limites cabíveis na Nova Alemanha, que surgiria das cinzas da Primeira Grande Guerra, qual fênix sedenta, acima de tudo, de morte e destruição. Falava ele: “Que são Goethe, Schiller ou Sheakespeare em comparação com os grandes heróis da nova poesia alemã? Gastas e obsoletas coisas de um passado que não podia mais sobreviver! A característica desses literatos é que eles não só produzem somente sujeira, mas, pior do que isso, lançam lama sobre tudo que é realmente grande no passado”. Montanhas de livros sendo queimados em praça pública pela Juventude Hitlerista são imagens assustadoras que ilustram a prática recorrente naqueles tempos dos quais fugiram Thomas Mann, Hermann Hesse e outros exilados desta “revolução cultural”. E imaginar que tudo foi perpetrado por Hitler, ele mesmo um aspirante a pintor que jamais ultrapassou a barreira do medíocre. Este mesmo “artista” ou “esteta” exibia a produção das artes plásticas da época, onde residem as raízes de toda a vanguarda contemporânea, em salões que intitulava “arte degenerada”. Os valores eram (e deviam ser) os da antiguidade clássica. Nada de novas concepções. Nada de renovações. Assim como a raça ariana deveria prevalecer como ideal a ser alcançado, sua arte também deveria imperar. Uma nova estatuária “clássica” surge e uma pintura “patriótica” preenche as paredes enquanto os museus dos países ocupados são saqueados impiedosamente. Até mesmo o estabelecimento do padrão plástico racial apregoado pelo Terceiro Reich segue critérios assustadores que vão desde a seleção genética do povo alemão, passando pela eliminação das “sub-raças” até o experimentalismo dos médicos, aos quais eram dadas as liberdades científicas que horrorizaram o mundo. O desenrolar destas imagens durante o documentário vai nos esmagando na poltrona até um momento síntese, que é a aparição de Albert Speer no cenário nazista.
Speer era arquiteto e foi contratado por Hitler para materializar em edifícios tudo que fosse importante na edificação do novo império. Muitas das idéias eram originárias do próprio Führer, desde conceitos de urbanização até mesmo nas construções que seriam sedes da nova nação. O desenrolar das imagens onde surgem maquetes gigantescas de uma nova Berlim, com avenidas largas o suficiente para desfiles de tropas vitoriosas, estádios de dimensões ciclópicas onde ele, Hitler, criador e mestre da Alemanha Purificada, faria aparições e discursos, tudo mostra um projeto de fazer inveja a qualquer imperador romano. Porém não é exatamente isto que surpreende, mas o fato do Führer ter pedido a Albert Speer que criasse tudo de modo que, quando destruído, gerasse belas ruínas. Como se vê, o autor do conceito da “Arte Total” a ser implantada na Alemanha, se via como mentor de um conceito de tragédia quase operístico, onde a destruição, o caos e a ruína eram o objetivo final.
E assim foi. Um sobrevôo sobre Berlim ao término da guerra mostra que ruína foi a herança deixada para o povo alemão.
Este documentário pode ser considerado um item obrigatório para todos que quiserem travar um conhecimento mais próximo com este momento abominável que a raça humana vivenciou. Para que? Para não se repetir, é a resposta mais óbvia. Mesmo assim sabemos da fragilidade do homem diante do rolo compressor do pensamento totalitário e do arraso que causa naquilo que nos transmuta em algo maior: nossa produção cultural. A China de Mao Tse Tung viveu coisa semelhante. A “Revolução Cultural” implantada lá passou o rodo num conjunto de manifestações artísticas das mais refinadas que já surgiram na história da humanidade. E lá, como na Alemanha hitlerista, sobreviveu à tempestade exatamente por ser a antítese de tudo que é morte e ruína, ou seja, a arte e a vida.

04/06/2006

Leia o filme e veja o livro


Eu me recordo de uma charge feita por Henfil, onde um de seus conhecidos personagens, o Bode Orelana, estava numa pilha de lixo devorando uma fita de vídeo e dizia: “O livro era melhor.” Desta forma o nosso saudoso chargista sintetizou quase tudo que se pode escrever sobre a relação da literatura com o cinema.
Antes que a voz clamante daqueles que crêem que o cinema “filma livros” se levante, eu esclareço: faz-se filmes baseados em livros. Nada mais. E é fundamentada nesta relação de autonomia que as duas linguagens sobrevivem uma à outra, mas se tocando em muitos pontos.
Historicamente o cinema se iniciou tendo como clara referência a arte do teatro. Esquece-se, às vezes, que esta expressão fundamentava-se na literatura, portanto não seria estranho transportarmos o mesmo raciocínio para a sétima arte, afirmando sua parceria com o texto escrito. E se há valores a serem destacados, podemos já de início dizer quais as semelhanças que fazem do cinema e da literatura artes idênticas, como seus objetivos de fornecer elementos indispensáveis para o imaginário humano, para a eternização da fantasia, para a multiplicação da inteligência e para as reflexões sobre nossa efêmera existência. E se existem pontos de divergência, ressaltemos um bem óbvio: o universo da literatura é o da palavra e o do cinema é o da imagem.
Antes que isto soe muito reducionista, desenvolvamos então alguns pensamentos que possam esclarecer nossa afirmação sobre estes diferentes universos. Iniciemos pelo texto literário e sua construção narrativa que conta com a parceria imprescindível do leitor. Por mais claro que seja o estilo do autor de um livro, ele sabe que as características intrínsecas do texto literário, como originalidades, subjetividades, entrelinhas, etc., encontrarão na mente das pessoas seu nicho imagético. Já o cinema inverte, de certo modo, este caminho, trazendo através das imagens, um complemento “textual” no espectador. Afirma-se que o cinema roubou da literatura parte da tarefa de contar histórias, fato que realmente podemos creditar parcialmente, já que o cinema, a certa altura, rompeu também com este tipo de responsabilidade, ao se mostrar um bom parceiro para as revoluções da arte e seus desmembramentos. Foi assim quando se enveredou pelo surrealismo, pelo expressionismo e mesmo pelas inovações criadas por um Godard, um Bergman, um Resnais e outros. Mas a narratividade continua até hoje sendo o principal fator de relação do cinema com seu público.
A aproximação do cinema com a literatura também teve outros interesses. Para uma arte que manipulava a imagem em movimento e seus atrativos “mágicos”, - daí o cinema ter sido mostrado nos seus primeiros momentos como número circense - uma parceria com a arte da leitura legitimava seu potencial artístico. Estabeleceram-se então identidades com a literatura e seus autores, atraindo para o cinema os escritores atuando como roteiristas. Nomes como Scott Fritzgerald, Aldous Huxley, Gore Vidal e Willian Faulkner escreveram histórias que comoveram muita gente e ajudaram a fixar o cinema como uma linguagem narrativa eficiente. Mas o que faziam não era, definitivamente, literatura. Faulkner costumava a afirmar, quando contratado para escrever para o cinema: “Faço apenas o que me dizem para fazer; é um emprego e pronto.”
Os próprios critérios de construção das duas linguagens estabelecem diferenças interessantes. Enquanto a criação literária é um processo solitário, - onde o autor se debruça sobre seu objeto de modo concentrado - a criação cinematográfica é um processo coletivo, que envolve desde o diretor,- passando pelo roteirista, o produtor, o diretor de fotografia, o diretor de arte - até aos técnicos diversos que suportam o registro da interpretação dos atores. Aliás, nos atores se localiza uma outra diferença grande entre as duas artes. Se no livro construímos os personagens seguindo as diretrizes descritivas de seu biotipo e personalidade, estabelecidas pelo escritor; no cinema o personagem passa pelo ator, figura que vai “encarnar” o papel, mas que atrela à sua própria imagem ( vida pessoal, antigos papéis, posturas antipáticas e simpáticas, etc) o perfil a ser interpretado. Fica meio “borrada” a fronteira entre ator e papel: Lawrence Olivier será sempre Lawrence Olivier em qualquer papel shakesperiano que interpretar.
Se estas considerações podem ser determinantes, existem outras tão importantes quanto. Por exemplo, se existe uma fluência de leitura estabelecida no texto literário, esta mesma fluência não existe no roteiro escrito de um filme. É quase impossível ler um roteiro e observar nele elementos da literatura. Um roteiro não é um livro. Falta-lhe os apelos da estrutura narrativa. Tanto é fato que muitos deles, originalmente pensados para o cinema, sofrem alterações estilísticas ao serem transformados em livros. A esta altura podemos encontrar autores literários que já escrevem sobre uma estrutura muito próxima à do cinema. Stephen King possui muitos textos que parecem “prontos” para as telas. Assim podemos detectar num Dan Brown (O Código Da Vinci), num Michael Crichton (Jurassic Park) uma literatura “cinematográfica”. Mas isto não é um privilégio das gerações pós-cinema. Existem autores que possuem estas características, mesmo desvencilhadas de uma identificação fílmica. Já saíram bons filmes de livros de Graciliano Ramos (São Bernardo), Clarice Lispector (A Hora da Estrela), Raduam Nassar (Lavoura Arcaica), Joseph Conrad (O Coração das Trevas), Phillip Dick (Do the androids dream with electric sheeps) e outros. Além de todo Shakespeare, que já foi às telas de várias formas.
Mesmo assim uma coisa não resulta em outra com os mesmos méritos. Bons livros já geraram maus filmes e maus livros já viraram bons filmes. O que se faz com o texto é passível de muitos filtros ou enquadramentos. Os livros citados acima, “O Coração das Trevas” e “Do the androids dream with electric sheeps”, foram levados às telas por diretores que os enriqueceram como narrativas, respectivamente Coppola, com seu “Apocalipse Now”, e Ridley Scott, com seu “Blade Runner. A fidelidade foi parcialmente rompida, mas com um resultado que gerou, no cinema, mudanças profundas. Mas será que existe o inverso? Às vezes acontece. Píer Paolo Pasolini filmou seu hermético “Teorema” que cresce na leitura do livro homônimo, escrito também por ele. E existem alguns casos onde a fidelidade plena ao texto literário acontece. John Houston, no seu filme “Os vivos e os mortos”, adapta um conto de James Joyce intitulado “Os Mortos”, que está no livro “Os Dublinenses”, de modo incrivelmente fiel ao texto do autor irlandês. Assistir à película e ler o conto, e vice-versa, é uma experiência de tradução literal de uma coisa na outra. Um caso raro. Já, por outro lado, existem livros (ou autores) “infilmáveis”, como “Ulisses” do mesmo Joyce ou “Grande Sertão:Veredas”, de Guimarães Rosa. Foram feitas tentativas em ambos os casos, mas resultaram em retumbantes fracassos.
O tempo de usufruto das duas linguagens também pode ser considerado aquí. Ler um livro prescinde de um tempo diferenciado do que nos é solicitado para assistirmos a um filme. O cinema possui o “tempo do ritual”, ou seja, um comportamento físico e uma imersão integral no formato da linguagem, que tem um período determinado para acontecer. O advento das mídias eletrônicas, que proporcionam assistirmos aos filmes em casa, alteraram esta fruição, de certa forma, já que as interrupções acarretadas pela rotina doméstica, ou até mesmo um “pausa” ou adiantamentos e retrocessos do DVD, não estão previstos no fluxo da obra. O livro pode ser lido de uma vez só, direto, mas normalmente uma interrupção pode ser prevista. Esta consideração é apenas uma observação, já que cada espectador/leitor possui diferentes processos de absorção do livro ou filme, mas num cinema, - onde a película deve ser vista por ter sido pensada para este ambiente - o tempo é fixo e marcado pela duração de sua exibição.
Se pensarmos que tudo se prende a somente estes critérios, não nos esqueçamos que a tecnologia é parceira indissociável nesta transposição livro/tela. É quase impensável a excelente passagem para o cinema da saga “O Senhor dos Anéis”, de Tolkien, sem pensar nos inúmeros feitos especiais que a informática colocou nas mãos do diretor Peter Jackson. Não é atoa que muitos fãs do livro sequer se incomodaram com o que foi feito nesta adaptação porque o universo mítico do autor estava todo lá, respeitado no que tinha de grandioso e inovador.
Para colocar uma encorpada lenha na fogueira, o escritor/roteirista Guillermo Arriaga, parceiro do premiado diretor de cinema Aljandro Iñarritú, recentemente rompeu com o parceiro porque acredita que o verdadeiro autor dos filmes é o roteirista, e que o diretor apenas adapta sua criação para as imagens. Arriaga reclama para o roteirista o verdadeiro mérito da criação. É um tema a ser pensado, estudado e ponderado, mas que está longe de um esclarecimento. A indústria do cinema (e da literatura) funciona a forma que o escritor questiona a muito tempo e me parece suficientemente estabelecida para romper com esta cadeia de uma hora para outra. Mas a polêmica está lançada.
O assunto é extenso, percebem, mas não posso deixar de finalizar este texto, de caráter introdutório sobre a relação (de amor e ódio, digamos) destes dois gêneros artísticos, sem citar uma expressão usada pelos tradutores de livros ao passarem uma idéia de uma língua para outra: “tradutore/traditore”, ou seja, tradutor/traidor. Não há como ser fiel a um texto na sua tradução. Algo sempre se esvai na transposição. Assim acontece com o cinema e a literatura. O diretor brasileiro, Sylvio Back, ele mesmo roteirista de muitos livros que levou ao cinema, diz claramente que acredita que se deve trair o livro na sua adequação à linguagem cinematográfica: ”Quanto maior a traição, melhor o resultado”.
Cinema e literatura: respeitemos suas especificidades.




Este texto resume a participação do autor num evento literário onde o tema “Literatura e Cinema” foi tratado numa mesa redonda que reuniu escritores, cineastas e professores universitários.

11/08/2007


Sempre tive com alguns filmes uma relação de intimidade que faz com que eu os trate como amigos ou parentes, consciente que sou dos segredos íntimos da minha alma que foram desvendados por eles. Como pretensão e água benta cada um pega o que pode, tenho comigo que deveria escrever algo sobre isto, ou sobre eles, e que esta minha escrita pudesse imputar, de alguma forma, um valor ainda não descoberto a estas obras tão próximas, como um agradecimento. Infelizmente a tarefa é inglória, e descobri isto faz tempo. O cinema contribuiu para que minha passagem por esta vida fosse mais (muito mais...) leve e eu continuo na dívida com a sétima arte, não passando de um resenhista comum. Mas insisto em achar que ao cruzar com filmes como “Crepúsculo dos Deuses”, “Festa de Babette”, “Fanny e Alexander”, “O Martírio de Joanna D’Arc”,entre muitos outros, me fazem insistir nesta tentativa, quem sabe? Pois é...Um dos meus filmes prediletos, e que constam da “tal lista pessoal”, acaba de sair em DVD no Brasil, depois de muitos (mas muitos mesmo...) anos de jejum impostos à minha pessoa e ao grande público, já que desapareceu a décadas das salas de projeção. Trata-se do magnífico Johnny vai à Guerra.
Realizado em 1971, esta produção é o primeiro e único filme dirigido pelo escritor e roteirista Dalton Trumbo, uma das mais cruéis vítimas do maccarthismo que assolou Hollywood durante a caça às bruxas nos anos 50, e é um contundente documento contra a guerra do Vietnã que, na década de seu lançamento, estava no seu auge e ceifava as vidas da juventude americana com uma foice esfomeada. Talvez a obra que o diretor perpetrou não seja um filme, mas um monumento erigido contra as guerras, todas elas, do passado, do presente e do futuro.
Filmado em preto e branco, alternado com cenas coloridas, a história deste filme tem como personagem o soldado Johnny (Timothy Bottoms) que é vítima de uma mina terrestre nos campos de batalha da Primeira Grande Guerra. Este acidente lhe amputa as duas pernas, os dois braços e parte de seu rosto, eliminando assim a maioria de seus órgãos sensoriais, reduzindo o soldado a um tronco inerte, - um monte de carne mantido vivo artificialmente, digamos assim - que fica deitado numa maca de um hospital, com uma proteção sobre o rosto deformado, e serve de estudos para a equipe médica. Porém, constataremos com um certo horror, que o monte de carne pensa...
As tomadas correspondentes à realidade de Johnny, filmadas num preto e branco radical, fazem um contraponto às cenas coloridas que, na verdade, não sabemos se são sonhos, lembranças, delírios ou tudo isto junto. Este estado entre vida e torpor vai se impondo durante a passagem do filme e nossa compaixão pelo homem-tronco a que o nosso herói (sim, gente, Johnny é um herói...) foi reduzido cresce a ponto de nos sentirmos no lugar dele. Esta troca de papéis, espectador e personagem, é uma das molas mestras do cinema, mas a ausência de um rosto naquele sujeito, jogado ali naquela cama, contribui muito para que a interação se conclua com sucesso. É difícil não vivenciar esta troca. E Timothy Bottoms consegue desempenhar desta forma aquele que pode ser considerado o grande papel de sua carreira.
Dalton Trumbo soube como dirigir este desafio, mesmo que tenha pensado em dar a direção deste libelo anti-belicoso a nada mais nada menos que Luis Buñuel, o mestre espanhol. A alternância dos momentos de realidade e dos momentos de irrealidade do soldado, nos surpreendem pelo alto grau de afetividade que Trumbo imprimiu à sua direção. A rotina da vida de Johnny – nada que não seja a nossa corriqueira vida, a qual damos valor sempre que corremos o risco de a perder – fazem contrapeso com as cenas delirantes, como a da aparição de um Cristo (Donald Sutherland, em cores hippies) que joga pôquer pacientemente com os jovens soldados que estão prestes a morrer no campo de batalha. Deste jogo equilibrado, que possui um grau muito bem dosado de sentimentalismo, saem as emoções copiosas desta obra que mistura poesia com tratamento de choque.
Há de se louvar a Aurora, que premia o público com esta deslumbrante e emocionante obra cinematográfica, que foi vencedora do Prêmio Especial do Júri e do Prêmio de Crítica no Festival de Cannes, em 1971, colocando-a no mercado em DVD ( 106 minutos, com alguns extras. R$ 30) e que, nas palavras de Roger Ebert, jornalista do Chicago Sun Times, “não é só um filme anti-guerra, mas um filme pró-vida”. Uma obra de arte, indiscutivelmente.

Este texto foi escrito em 25/06/2006, para o site cultural
www.poppycorn.com.br

Voltar

Lugar único


A Confeitaria Colombo é um lugar único no mundo.

Claro, tudo pode ser único no mundo em suas particularidades, mas me refiro ao fato de que, mezzo andarilho que sou por parte deste planeta, nunca ví nada igual (nem em Paris ou Viena) à esta antiga confeitaria plantada no centro do Rio, como uma ilha de refino no meio daquele caos urbano. Já levei amigos franceses (sempre eles, os juízes do bom gosto) lá e ví o espanto se instalar nos seus rostos. Realmente é inacreditável que um espaço tão pleno de soluções decorativas sofisticadas possa estar escondido numa ruazinha apertada da antiga capital do Brasil.

Resolví escrever sobre a Colombo porque outro dia, indo de carona para o trabalho num carro de um amigo, ele me disse que iria para o Rio numa reunião e que ficaria num hotel no centro da cidade. Bem, falou com o cara certo quando perguntou onde poderia comer. Mesmo sabendo que o local tem rivais tão importantes (historico e gastronomicamente) no centrão carioca (o Bar Luís, por exemplo), sugerí que ele fosse na Colombo pela experiência espacial, pelo arroubo estético. E pela maravilhosa comida.

Sentar naquelas cadeiras de madeira e palhinha, sentir o mármore das mesinhas delicadas, abrir o menu e escolher as delícias dos salgados portentosos, e aguardar ser servido olhando cada detalhe da marcenaria refinada, dos vitrais grandiosos, dos imensos e inigualáveis espelhos bisotados, dos lustres de cristal, - tudo com o devido desgaste que lhes dá o crédito da longevidade - é uma experiência de mergulho num tempo onde o tempo era outro.

Aconselho a quem quer que seja a ir lá. Se der, leve um livro de Machado de Assis e leia um pouquinho dele sentado no salão. Pode ser que alguma coisa faça sentido. E fará.

Jardim mineiro


Belo Horizonte foi linda.

Infelizmente coloco a frase no passado porque os desgastes que as sucessivas intervenções urbanas gerou na cidade foram desastrosos, o que, na verdade, aconteceu com todas as cidades do Brasil depois dos anos 70. Mas BH era maravilhosa, com seu planejamento, sua arquitetura especial e por ter a cara de Minas, uma cara que não sei dizer o que é, mas sei reconhecer. Me recordo da Avenida Afonso Pena com bondes e árvores cuidadosamente podadas, que foram arrancadas num momento de insanidade administrativa. Mas antes de seguir com o meu rosário de lamentos nostálgicos, quero falar do Parque Municipal, jóia de paisagismo que sobreviveu (ou tenta) à cidade esfomeada por novas áreas a serem ocupadas por seus prédios modernosos.

O parque é no formato dos seus colegas brasileiros, mas é o único que exala um clima que mistura a arcádia clássica com a ingenuidade interiorana de Minas. Qualquer um sente-se em casa naquele lugar, com belas árvores, lago, fontes, esculturas e amplidão campestre que só é cortada por lampejos arquitetônicos que nos recordam que estamos numa cidade grande, como a sutil curva da fachada o Hotel Othon. Mas logo deletamos isto, e é fácil interagir com o lugar.

Neste parque está o Palácio das Artes, local que me trás boas recordações, onde assistí espetáculos que me marcaram quando morei em BH. Tem também o Teatro Francisco Nunes, onde assistí uma Carmina Burana cuja montagem, se hoje seria sofrível, na época me soou perfeita; além do Giramundo, fábrica de encantamentos.

De todos os meus parques prediletos, este é o que menos frequento, menos do que gostaria. Ele já deve ter sido ocupado por todos os personagens esquecidos ou exilados das cidades grandes, junkies ou prostitutas, gente que a cidade esqueceu, mas dividem o espaço com as pessoas que continuam indo lá se divertir, descansar, ou se reencontrar consigo mesmas pela memória. Este é o meu caso.

Beleza aconchegante


O Parque da Luz, em São Paulo, é outro lugar de aconchego e tranquilidade. Todo repaginado após uma recente reforma nos arredores, se transformou em área de lazer, tendo como vizinhos o Museu da Lingua Portuguesa, A Pinacoteca do Estado, a Estação Julio Prestes, a Sala São Paulo, a Estação da Luz e o bairro Bom Retiro. Gosto de ir lá um pouco antes do horário dos museus abrirem e sentar num banco perto de alguma das muitas obras de arte que se espalham pelos jardins (a "Craca" é minha preferida) observando crianças uniformizadas que descem dos ônibus de excursão para visitarem alguns dos museus citados. As árvores são lindas, antigas, e compõem uma bela paisagem de contraste (e harmonia) com os imponentes prédios do outro lado da rua. Também guardo na memória momentos muito positivos da minha infância por alí, em viagem com meu pai.

A Pinacoteca tem um pequeno café com mesinhas sobre as sombras das árvores que é um convite ao descanso (sempre vou até lá a pé), com um daqueles expressos que só se bebe em São Paulo. Gosto de ficar alí, escrevendo qualquer coisa num bloquinho de notas que levo sempre em viagens (troquei a câmera fotográfica por este bloquinho) que uso para registrar o que ultrapassa as imagens. E o parque me acolhe.

Como em toda área pública, a "contravenção" está lá. Não consigo mapear os drogaditos (afinal a Cracolândia é pertinho), mas vejo as prostitutas a postos. Essas mulheres me são simpáticas: primeiro pelo visual absolutamente comedido. Sempre com roupas discretas, sem exageros cromáticos, parecem as senhoras que vejo nas ruas da minha cidadezinha no interior de Minas. Qualquer garota adolescente de classe média tem um design físico e de vestuário que exala mais apelos de sedução sexual do que estas anônimas senhoras. Segundo, pela função: já foi o tempo que ser chamado "filho" de uma delas era ofensa suprema. Depois que Melina Mercuri deu vida a uma prostituta apaixonante em "Nunca aos Domingos" eu olhei para elas do mesmo jeito. Sei que é uma visão distorcida e romantizada, mas dedico à elas uma gratidão em nome de todos homens que encontraram nos seus corpos o aconchego de solidões e dores muito maiores das que eles poderiam suportar.

Sempre linda


Um lugar que acho fascinante no centrão velho do Rio é o Campo de Santana. Me recordo de passear por alí com meus pais, ainda criança, encantado com aquela mistura de bosque natural com cavernas artificiais e trocos de cimento, saídos aqueles paisagismos que eram moda no Brasil na virada do século XIX para o XX. Tudo ainda está lá, cercado por uma enorme grade clássica, com portões encimados por brasões imperiais, habitado por gatos e cotias, o que dá um ar champêtre ao lugar.

Gosto de sentar num banquinho e ficar lendo ou olhando velhinhos se exercitarem num tai-chi matinal, mas me restrinjo às primeiras horas do dia, quando há o movimento das pessoas cruzando o parque vindas da Central do Brasil, se dirigindo para o trabalho ou se diluindo na loucura da Saara. É gente comum que passa alí: trabalhadores com mochilas nas costas, jovens e mulheres de classe operária, muitas crianças, e todos de uma beleza popular, de estrutura física forte e rostos miscigenados. Gente bonita, de outra beleza, mais real, nada publicitária.

Como disse, me restrinjo às primeiras horas do dia porque uma vez, aguardando pessoas amigas que faziam compras na rua Buenos Aires, um rapaz educadíssimo pediu licença e se sentou no banco onde eu estava. Logo puxou um papo, dizendo que aguardava a chegada de uma funcionária pública que trabalhava num daqueles prédios burocráticos que existem por alí e que, apesar de ser o horário dela de trabalho, estava ausente, "tinha ído resolver um problema", nas palavras de quem o recepcionou. Ao comentar que eu estava alí porque gostava do parque, ouví dele um mapeamento do local que ignorava, mas descofiava: onde eu estava era a "zona segura", pois era o trânsito das pessoas que cortavam o caminho até o centrão; logo à frente era a "zona dos drogados", onde íam jovens consumir maconha, álcool e etc.; mais à direita era a "zona da prostituição", onde o óbvio acontecia. Resumindo, ví o jovem rapaz descrever aquilo que aconteceu com todos os lugares públicos do Brasil. Mesmo na cidadezinha onde nascí e moro esta subdivisão acontece na praça principal, e na cidade de porte médio onde trabalho, a coisa também está lá, bem no parque central. É triste ficar consciente desta generalização que a fragilidade econômica, social e cultural impôs ao nosso povo.

Por um momento sentí uma tristeza profunda, mas não preconceito. Na verdade tenho uma certa afeição por este tipo de gente, os "marginalizados", que não me envergonham. Quem me causa vergonha e repulsa são aqueles donos dos diversos poderes que geraram isto.

sábado, 11 de julho de 2009

Lá vou eu!!!


Férias, enfim. Mesmo com uma montanha de trabalhos e compromissos a serem realizados, me dou este conforto de colocar tudo no freezer e sair por aí. Nada de hemisfério norte neste julho/09, nem de países da América do Sul, assolada pela gripe do porco, meu destino será prosaico mas nada despretencioso: vou fazer o circuito Rio/ SP/ BH.

Antes de dizer o que pretendo fazer nestas capitais, eu queria tecer um comentário sobre a minha paixão pelos seus velhos centros urbanos. Sei que muita gente foge deles como o cão foge da cruz, mas firmo que perdem muito do charme escondido no meio daquele caos e decadência.

Sou filho dos anos 50, fui criança nos anos 60 e adolescí nos 70, portanto conhecí o que era o Rio, São Paulo e Belo Horizonte nestas décadas. Todo o charme das cidades brasileiras no período 50/60 se esvaiu nos anos 70 sucumbidos pelo "milagre econômico" que destruiu coisas belas sem colocar nada que prestasse no lugar. Hoje estas cidades deslocaram sua valorização urbana para outras áreas e seus centros originais se transformaram no retrato do abandono geral. Uma pena. Mas, com o olhar aguçado, perceberemos que a sedução histórica está lá, viva e falante, e mesmo com certa decadência mantém sua altivez e importância no contexto da urbe.

Algumas inicitivas pretendem reavivar estes lugares, algumas dando muito certo e outras ficando só na intenção, mas são sempre bem vindas.

Porém o grande charme dos centrões ainda são as pessoas, especialmente os anônimos, estes habitantes que são classificados de "povão" ou "massa". Nada disto, caro leitor, longe de serem um rebanho, eles possuem um rosto e é surpreendentemente rico e eloquente. Andar pela cidade observando estes personagens passageiros, saídos da periferia, possuidores de uma linguagem própria, renovante e dinâmica é gratificante e nos reenquadra num outro universo, longe dos preconceitos e limites. Como dizia João do Rio, precisamos ouvir a voz eloquente das ruas.

A obra definitiva de Billy Wilder


O filme Crepúsculo dos Deuses (Sunset Boulevard, 1950) é uma obra prima. Particularmente o considero muitas coisas, dentre elas a obra definitiva do diretor Billy Wilder, o filme definitivo sobre Hollywood e um dos maiores comentários sobre a arte do cinema. Creio que muitos leitores dividirão estes comentários comigo.


Tudo no filme é direcionado a levar o espectador a um universo de decadência, onde a alma humana se mostra plena de baixezas, tudo embalado pelo tom irônico do gênio do diretor. A cada sequencia existe um drama e uma surpresa, que só cessam de socar nosso estômago na grandiosa cena final.


Billy Wilder é autor de outras obras-primas do cinema como Quanto Mais Quente Melhor e A Montanha dos Sete Abutres, e nunca deixou de criar referências para todas as gerações de diretores que o precederam. Destaco nesta obra cinematográfica o desempenho de Willian Holden, Erch von Stroheim e a fantástica Glória Swanson: sem ela o filme não seria o que é.


Misturando auto-biografias, a história do cinema, a ascensão das celebridades, a decadência destas mesmas celebridades acrescido do cinismo da indústria cinematográfica, Billy nos empurra num turbilhão de situações (muitas metafóricas) que alinhava com seus comentários ácidos sobre a falsidade e a verdade do cinema. Nada como terminar isto tudo com um belo close-up, que é o que ele faz o tempo todo no filme com este meio artístico responsável pelos mais belos sonhos e também pelos piores pesadelos.


Não é atoa que estou na comunidade do Orkut "I'm ready for my close up"...

SIX FEET UNDER is over


Pois é, a melhor série da TV acabou. Estou meio abandonado pois toda aquela família de gente tão esquisita quanto eu se foi, e as minhas madrugadas estão mais vazias. Porém o final foi extremamente inteligente, com as mortes de todos os personagens, revertendo a montagem dos episódios que sempre se iniciavam com a morte de alguém estranho que ía parar na funerária. Well, fazer o que? Deixarei flores no túmulo virtual de todos os Fischer.

O álbum TOMMY


Aí está o álbum original da ópera-rock. Toda uma geração cantou o refrão See me, Feel me, Touch me, Heal me sozinhos nos seus quartos ou na multidão de Woodstock. Sem saudosismo, Tommy é história.

Todos os Tommys


Tommy teve gravações diferenciadas: o disco original, um outro com a trilha do filme e um terceiro com arranjos sinfônicos. O último é um must e virou um collector's item. Este teve uma superprodução gráfica e contou com nomes como Richard Harris, Rod Stewart, Maggie Bell, Richie Havens e Steve Winwood no elenco, além do The Who e da Sinfônica de Londres com um coral estupendo.

O banho de Ann Margret


Depois de ver o filho vencer o Pin Ball Wizard no concurso, a mãe e Tommy se embebeda e quebra a TV de onde jorra sabão em pó, chocolate e feijão, iniciando o banho que virou referência de sensualidade no cinema. O resto é história.