quinta-feira, 15 de outubro de 2009

MATADOURO 5



OI amigos.
Olha só o que encontrei: um texto que escreví sobre o livro Matadouro 5, escrito em 2007. Deixo aquí para fazer parte com os outros comentários sobre Dresden e Vonegutt.

Nos anos 70 o diretor George Roy Hill fez um filme intitulado Matadouro 5 originado no livro Slaughterhouse five or the children’s cruzade de autoria de Kurt Vonnegut. O impacto da película levou muita gente a descobrir e se apaixonar pelo escritor americano e, desde lá, seguir sua bibliografia repleta de surpresas e fina ironia. Kurt Vonnegut morreu neste último dia 11 de abril devido às complicações cerebrais geradas por uma queda sofrida em sua casa em New York. Casado com a fotógrafa Jill Krementz, o autor de 84 anos deixa um legado literário de valor inquestionável.
Mesmo com muitas publicações ainda em edições atuais (ver as lançadas no Brasil abaixo), foi com seu semi-autobiográfico “Matadouro 5” que Kurt se projetou no universo literário. Com conteúdo delirante ele conta a história de Bill Pilgrim, um pacato cidadão americano, escritor, que nos anos 70 passa por experiências estranhas de deslocamento no tempo que misturam seu cotidiano monótono com viagens ao passado, quando era soldado na Segunda Grande Guerra, e a um futuro (?) num planeta distante onde vive um tórrido romance com uma mulher ideal. A construção de humor absurdo que Vonnegut imprime ao texto é um achado o que o torna um daqueles livros típicos que não se consegue parar de ler.
A parte autobiográfica se remete ao fato de Kurt ter sido pego pelos nazistas na Europa quando era soldado das fileiras americanas. Prisioneiro de guerra,foi levado para a cidade de Dresden onde os alemães mantinham campos de capturados aproveitando antigos prédios onde funcionaram matadouros de gado. A cidade era considerada terreno neutro pelos dois lados, já que não tinha objetivo militar algum, desta forma os alemães também a preservavam, pois era considerada um monumento histórico de seu país por ter um conjunto arquitetônico barroco de beleza única. O impacto da beleza da cidade e suas ruas repletas de obras de arte foi tão grande que Kurt coloca o personagem Bill Pilgrim vivenciando o mesmo arrebatamento que ele viveu quando nela chegou. Mas isto não durou muito. Com o intuito de dar um golpe fatal na moral alemã a força aérea aliada faz um bombardeio arrasador sobre a cidade indefesa - que sequer possuía defesa anti-aérea - despejando toneladas das terríveis e incendiárias bombas de fósforo, causando um incêndio devastador que destruiu a maioria dos prédios históricos e matou mais gente que Hiroshima. Como a história é contada pelos vencedores esta passagem de crueldade se diluiu por um bom tempo até que as narrativas dos que vivenciaram o fato se impuseram e vieram à tona.
Vonnegut escreveu “Matadouro 5” logo após o término do conflito, mas seu lançamento demorou quase duas décadas depois, pegando a sociedade americana imersa no conflito da Guerra do Vietnã. Aliás, a grande produção do autor remonta aos anos 50 e teve igualmente um reconhecimento tardio. O livro fez um enorme contraponto com a literatura realista americana que vingava na época. Com sua criatividade - que misturava crítica social com ficção científica, adicionada de pitadas de absurdo e bizarrices-, Kurt abalou uma estrutura inteira com seus anti-heróis, sendo, com isto, perseguido e acusado de ser até mesmo obsceno. O que sobrou de todo este conflito foi a vitória de um trabalho que moldou a literatura da América no século passado.
Fumante inveterado, crítico ácido da sociedade americana, ele próprio não se poupou de julgamentos severos: uma frustrada tentativa de suicídio em 1984, serviu para se auto-ridicularizar perante uma platéia “middle class” boquiaberta. Sempre defensor do livre-pensar e da vitória da imaginação sobre o progresso científico/tecnicista, o autor passou seus últimos anos escrevendo para revistas e, em 2007, foi homenageado pela sua cidade natal, Indianápolis, com a instituição do “ano Vonnegut”. Agora, já do “outro lado”, temos na voz do gigante Gore Vidal a lembrança de que, com a morte dele, sobram poucos grandes escritores que lutaram na última grande guerra.
A cidade de Dresden é atualmente um dos principais investimentos de restauração patrimonial do governo alemão. Com um trabalho de ajuntamento das minúcias do que sobrou do bombardeiro e de pesquisa histórica, aos poucos a cidade renasce em seu esplendor barroco. Sempre que vejo fotos da reconstrução desta cidade, patrimônio da humanidade, me vêm à mente o trabalho de Vonnegut e seu relato trágico desta barbárie cometida por aqueles que diziam defender a liberdade humana. Foi um ato covarde que poderia ter sido esquecido se não fossem pessoas como o autor para colocar o dedo na ferida.
Lançados e ainda não esgotados no Brasil: “Um Homem sem Pátria”, Ed. Record (R$31); “Matadouro 5”, L&PM (R$15); “Destinos Piores que a Morte"Editora Rocco (R$24) e "Café da Manhã dos Campeões", L&PM (R$17).

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