Borges já disse que temos sempre que retornarmos aos clássicos da literatura. Clássico que é clássico não se esgota numa única leitura, e isto serve para as obras de arte que se encaixam nesta categoria, seja um livro, uma música, um filme e demais expressões da sensibilidade humana. Já perdí a conta de quantas vezes lí Madame Bovary, de Gustave Flaubert. Mesmo sabendo que o que se desenrola nesta obra fundadora é hoje assunto pra lá de resolvido por todas as mulheres que possuem casamentos entediantes, o que sobrevive impunemente é a escrita de Flaubert: precisa e incisiva. O romance encontrou no cinema e nas HQs transposições que se sustentam dentro dos distintos perfís de suas linguagens, mas Bovary existe plena somente nas linhas escritas por seu criador. Talvez por esta sedução literária, fiquei refém por muito tempo desta obra, me limitando a relê-la sempre que o nome Flaubert me vinha à memória, mas...
Nas minhas últimas férias comprei num sebo o romance Salambô, do qual, confesso, tinha poucas informações. Estas se limitavam a uma HQ desenhada pelo gênio francês do gênero, Phillippe Druillet, e outra o filme do diretor Sergio Grieco, realizado nos anos 60. Me faltava a literatura de Flaubert e sua criação original. Iniciei a leitura dentro de um ônibus (era este o intuito) enquanto me deslocava entre dois destinos na minha viagem, e não me lembro de ter olhado pela janela em nenhum momento: fui arrebatado de tal forma pela história que não sobrou nada na minha memória que não seja o turbilhão de imagens que jorra das páginas do livro. Tudo é de uma profusão e de uma eloqüência que sobra pouco espaço para se tomar um fôlego. Me censuro neste momento, em que escrevo estas linhas, por não ter capacidade crítica suficiente para desenvolver um comentário mais preciso sobre o que Flaubert faz nesta obra. Invejo os capazes, juro. Me resta dizer que, na minha posição de leitor, me ví nocauteado pela grandeza do texto. Se Madame Bovary já ocupava na minha vida o status de "casamento literário estável" com o escritor francês, Salambô se mostrou uma amante voluptuosa, disposta a desarrumar toda a casa, me tirar do lugar confortável que me encontrava e me suprir de imagens, texturas, côres, sabores e cheiros inebriantes. Durante um bom tempo fiquei rescindindo a Salambô. Eu a via, entrevia, percebia e intuía nos lugares e nas situações mais inesperadas. Virou obsessão. Flaubert me levou a um lugar onde eu reconhecí as imagens atávicas de um tempo sem tempo, de um paganismo anárquico e de um misticismo perdido na escuridão dos arquétipos. Tenho de reconhecer que já estou falando demais, daquí para a frente só me resta as adjetivações e um pretensioso texto que, perto do que realmente é Salambô, não será nada além de um balbuciar infantil. Fica a sugestão de (re) leitura para os interessados.
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